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Jan
08

Dr. Marinho Pinto – Desjudicialização…

Talvez, agora, falar um pouco sobre Direito, mais concretamente sobre um fenómeno recente a que, no meio jurídico, se dá o nome de “desjudicialização”. Li atentamente a entrevista que o novo Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho Pinto, deu ao Jornal de Notícias. Não podia ficar mais agradado com tal entrevista. Não só me agradou a forma acutilante e crítica das suas afirmações, como ainda mais me agradaram as ideias que esgrimiu.

Efectivamente, dúvidas não há, nos dias que correm os tribunais acabam sendo relegados para segundo plano. O facto começa a ganhar raízes, entranhando-se profundamente no espírito das pessoas. É forçoso pensar no fenómeno, mas mais necessário se torna pensar o “porquê” do mesmo. Todos sabemos como são os Magistrados deste país, a forma como tratam os advogados (que simplesmente defendem os seus clientes, ou, em geral, defendem o bom senso da aplicação da lei) e como conduzem os processos nos “seus” tribunais (é assim que eles gostam que lhes chamem). Por vezes parece que que especemos a pedra basilar da “Justiça”, quase fazendo desejar o regresso da justiça grega em que 501 cidadãos votavam nos tribunais, condenando, ou não, o réu. Ao menos eram 501. Agora, temos um. Um que se esconde atrás de princípios medievais, tais como a impossibilidade de serem responsabilizados pelas suas decisões. Como se dessa irresponsabilidade resultasse a “independência” (não está esta relacionada, tão somente, com a independência económica, política, etc.?). Por vezes, nos “seus” tribunais, é a lei do mais forte (ou do mais irresponsável) que ganha relevância na altura de decidir. Ainda está para vir o dia em que um Juiz core porque ter que assumir os erros calamitosos que cometeu.

A justiça, creio, é exercida em nome do povo. Não é exercida em nome do Estado. Uma coisa é diferente da outra. Muito menos é exercida em nome de interesses, ou em nome de concepções pessoais. Ainda mais escandaloso é verificar as pessoas que vão para a Assembleia da República fazer e aprovar leis, quando posteriormente, acabam tomando conta de uns quantos tribunais, aplicando essas mesmas leis que aprovaram… Isto é o quê? Democracia Absolutista? Parece que, infelizmente, a Democracia nada faz (ou fez) pela justiça. Então, esta, segue o seu caminho, o da Aristocracia – não estranhando que as pessoas fujam dos tribunais.

O acesso aos tribunais (essas taxas de justiças – sim, porque para ter justiça é necessário pagar taxa), só por si, não é para todos. Mas obter justiça é para muitos menos ainda. E o problema é bem maior do que, somente, a obtenção de justiça. Não importa ter justiça se esta não for feita a tempo. A decisão judicial deve ser o mais célere possível. Eu sei que a “pressa” é inimiga da “justiça”. Não é “pressa” que se pede, é “diligência”. Quantos juízes neste país se podem efectivamente gabar por serem “diligentes”? Não é somente a eles que culpo, o Estado também pouco ou nada tem feito para auxiliar neste problema. Os Juízes são obrigados a acompanhar dezenas de processos simultaneamente, o que nada abona para a “celeridade”, muito menos para a “decisão em tempo oportuno” e em sede que garanta a igualdade das partes.

Ora, se a justiça não se aplica oportunamente, então as pessoas simplesmente preferem a “mediação”, este fenómeno que acompanha a sociedade cada vez mais massificada. No domínio do “comércio”, a mediação não é nada de novo. Será, mesmo até, milenar. Os comerciantes sabem que um processo em tribunal, na grande maioria dos casos, existe publicidade, o que não interessa ao negócio. Então, simplesmente recorrem à mediação para dirimirem os seus problemas. Não é destes que eu tenho pena. Tenho é pena de pessoas que se encontram em situações nitidamente desvantajosas, como os trabalhadores por conta de outrem, especialmente o fabris, mas muitos outros que possuem poucos meios. Quando perdem os seus empregos e chega a altura de receberem a sua indemnização, têm duas hipóteses: ou aceitam a proposta; ou vão para tribunal. O tribunal leva meses/anos a decidir, mas os filhos comem todos os dias e precisam de roupa e material escolar a toda a hora. Então acabamos por ver pessoas que simplesmente aceitam as propostas: ou porque não têm opção; ou porque na sua inconsciência/ignorância não sabem que estão a ser “embusteadas”.

Alguém me diga: Estão, estas pessoas, em condições de negociar? Alguma vez podemos crer que as duas partes estarão em pé de igualdade? Desde quando a “mediação” é um negócio que lida com a justiça? Não lidará antes com dinheiro e “percentagens”? Com o lucro? A lei básica permite que haja este tipo mediação (que brinca aos justiceiros)? Não estará na hora de criar um processo “especialíssimo” para casos como estes, que seja célere quanto o racionalmente possível?

É por tudo isto que tenho mais é que concordar com o Dr. Marinho Pinto. Sem serem criadas condições para decisões céleres, sem magistrados dignos de exercer a sua função e assumindo a responsabilidade das grosserias que cometem, nada feito. Não é esta a justiça que queremos (que pelo menos eu não quero) servir.

 

Abraços


3 Respostas to “Dr. Marinho Pinto – Desjudicialização…”


  1. 13 de Março de 2008 às 17:08

    Estou em crer que este foi o melhor texto que já li sobre o assunto.

  2. 2 de Julho de 2008 às 01:08

    Foi com muita pena que li este tema.
    Como Advogada e Mediadora que sou, penso poder informá-lo que a ideia que faz da mediação, enquanto processo alternativo de resolução de conflitos não podia estar mais errada.
    Seria bom aprofundar a matéria antes de falar sobre o assunto, aconselho-o a iniciar a sua leitura pelo site do gral – gabinete de resolução alternativa de litigios, pertencente ao ministério da justiça, penso que tem muito para aprender sobre o assunto…

  3. 3 de Julho de 2008 às 19:24

    Respeito, claro está, a sua opinião assim como, creio, respeitará a minha. Respeito igualmente aqueles que desenvolvem a actividade de mediação. Continuo a afirmar que não consigo encontrar melhores garantias de justiça, equidade, imparcialidade e segurança em nenhum outro lugar a não ser os tribunais. Infelizmente, como disse, o estado da justiça a muitas coisas vem obrigar, a mediação é uma delas e acredito que faça sentido em variados ramos, enquanto que noutros é, na minha mais profunda consciência, um atentado aos direitos das pessoas.
    Não obstante, agradeço a informação que me forneceu ao indicar-me o site do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios – http://www.gral.mj.pt/Index.htm – farei todo o esforço para obter informação mais detalhada acerca da mediação. Talvez um destes dias faça nova reflexão acerca do assunto.

    Obrigado pelo seu comentário, disponha sempre.


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